E aí está o grande erro da Teologia da Libertação: colocou o pobre como fim último no lugar de Cristo, que a a aparecer na boca dos teólogos meio que como Pilatos no Credo: um ório conveniente para calar críticos, mas longe de estar no centro da vida desses cristãos. O resultado é óbvio: quando a Igreja deixa de ter como objetivo principal a salvação das almas, substituída pela “libertação” sociopolítica do pobre (o que quer que isso signifique), os padres e bispos deixam de ser pastores para se tornarem ativistas sociais; momentos fortes do calendário católico, como a Quaresma, são subvertidos por iniciativas como a Campanha da Fraternidade; a devoção e a religiosidade popular são sufocadas; a fé vira ideologia; e a própria Igreja já não é mais o Corpo Místico de Cristo, restando-lhe ser uma ONG como qualquer outra. Grande, com muita capilaridade e influência, sem dúvida, mas nada diferente de todas as outras ONGs em sua natureza. 3s3m5p
E como fica a pessoa que está atrás das palavras de vida eterna que só Cristo (e, consequentemente, sua Igreja) tem a oferecer, e em vez disso encontra apenas discurso político? Essa Igreja mundanizada nada tem a dizer a essa pessoa, que vai saciar sua sede de espiritualidade em outro lugar – e o que mais temos nesse início de século 21 são pessoas atrás de um sentido para suas vidas. Por isso tanto se repete que “a Igreja fez a opção preferencial pelos pobres, e os pobres fizeram a opção preferencial pelos evangélicos” (ou, na Europa, pelos muçulmanos). “A Igreja declina porque a fé declina”, resume Clodovis Boff. E, se é assim, não há outra saída a não ser o reavivamento daquilo que torna a Igreja única: fé profunda, oração profunda, evangelização profunda. “Enganam-se os que pensam ‘salvar a Igreja’ com mais engajamento social (e agora também ecológico) (...) É igualmente enganoso esperar um despertar da Igreja apostando nas reformas internas, como a issão de padres casados, de mulheres padres, da bênção para pares homossexuais, da comunhão para os recasados e do poder decisório para os leigos. (...) a retomada do crescimento da Igreja está, para nós, em voltar ao seu centro vivo, ao seu coração pulsante, à sua essência: o Cristo de Deus”, diz Boff (p. 45-47). Afinal, “a Igreja existe in primis para a evangelização, não para a promoção humana. Sua finalidade específica não é a libertação social e histórica, mas a salvação espiritual e eterna de cada pessoa”. (p. 52).
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E é por isso que, para frei Clodovis, quem vai ajudar a salvar a Igreja são as velhinhas do Apostolado da Oração, os contemplativos, “os novos movimentos de espiritualidade e evangelização”, a “multidão dos fiéis do catolicismo popular”, ou os carismáticos. “Ainda que essas forças não constituam a pars maior da Igreja, parecem ser ou vir a ser sua pars melior graças à sua eclesialidade assumida e à sua dinâmica missionária”, diz o teólogo. E não só isso: são católicos que jamais se descuidaram do cuidado com o pobre, em obediência ao mandato evangélico. Afinal, ninguém está propondo nem defendendo um catolicismo “desencarnado”, insensível à grande chaga social latino-americana que é a pobreza; a diferença é que, ao contrário dos teólogos da libertação, esses católicos sabem muito bem hierarquizar o urgente e o importante, sem inverter as coisas. Se a Igreja brasileira e latino-americana voltar a colocar Cristo no centro, o cuidado com os pobres virá naturalmente, como aliás a Igreja tem feito – e feito bem – desde os seus primórdios. Foi gente de fé que criou todo o arcabouço de assistência social que daria origem aos sistemas modernos de saúde e educação, por exemplo.
Agora, compare tudo isso com aquela absurda “Análise de Conjuntura Eclesial” que todo o episcopado brasileiro recebeu em abril do ano ado, segundo a qual o grande problema da Igreja brasileira era o “discurso neotradicionalista” de influencers católicos e as “leituras fundamentalistas” que embasavam o discurso de defesa da vida e da família. Aquela mesma análise que pedia acompanhamento e, se necessário, correção (CORREÇÃO, Deus meu!) da religiosidade popular. O livro de Clodovis Boff vale por um milhão dessas análises toscas. Era ele que deveria estar na mesa de cada bispo desse país, em vez de um texto que transpira ojeriza ao que é verdadeiramente religioso e cujos autores acham que tudo se resolve com mais “consciência social”. Pois “consciência social” até o Baiano de Tropa de Elite tinha, não?