O cônsul insatisfeito – ou melhor dizendo, insaciável – chega ao ponto de prescrever o que deve ser dito sobre as maravilhas do regime representado por ele. A lista é enorme e não merece ser reproduzida. Aliás, os jornais brasileiros deveriam fazer o mesmo. É perturbador como os veículos de comunicação aceitam publicar textos assinados por representantes de ditaduras, sejam eles diplomatas ou não. Textos recheados muitas vezes de mentiras que prestam apenas a ar um verniz sobre atrocidades.
A Cuba do cônsul Monzón não é a mesma Cuba que tem dezenas menores de idade presos e processados por terem ido às ruas em julho ado protestar contra a opressão do regime. A ilha de Monzón não é a ilha de onde as pessoas fogem em botes improvisados, enfrentando o risco de morrer em uma travessia oceânica para fugir da miséria.
O regime defendido e louvado por ele não é o mesmo que em pleno século XXI está sob investigações e já foi condenado judicialmente por escravizar seus cidadãos. Escravidão que a ditadura cubana chama “solidariedade internacional”. Um conceito super fofo que não é usado exclusivamente pelos canais oficiais como fachada para encobrir seus crimes. É o mantra de seus sócios pelo mundo, como no Brasil, onde o Programa Mais Médicos serviu como pretexto para a exploração de mais de 15 mil médicos cubanos que aram pelo país.
A ilha da fantasia do cônsul Monzón não é a mesma onde somente no ano ado, depois de seis décadas de restrições, os produtores rurais ganharam o direito de poder tomar a decisão de matar ou não as vacas que são criadas por eles sem ter que recorrer a autorização especial do Estado. Ainda que fosse para o próprio sustento.
O visitante que se encanta com a versão turística de Cuba não faz ideia de que muita gente chegou à vida adulta sem recordar ou saber como é o sabor de um bife. Quem já provou carne bovina possivelmente a comprou no mercado negro, correndo o risco de pegar até dez anos de prisão. A concessão só veio no ano ado como forma de acalmar a população em meio aos efeitos da pandemia de coronavírus, que deixou ainda mais severos os efeitos do regime sobre a vida dos cubanos comuns.
Ah! Mas é culpa do bloqueio, lembra o cônsul.
A ilha de Monzón precisa dessa desculpa que é repetida aos quatros ventos. Mas o famigerado “bloqueio” não impede a entrada de nada na ilha. Na prática, prevê punições a quem também faz transações nos Estados Unidos, mas está bem longe de ser cerco asfixiante e fatal. As regras impostas não atingem o envio de alimentos, insumos médicos, por exemplo. Um dado ignorado é que os Estados Unidos são o quarto principal parceiro comercial de Cuba. Comida é um dos principais produtos que a ilha compra dos americanos. Só não compra mais porque é um regime falido e caloteiro.
Em seu artigo na Folha, o cônsul perguntou se “Cuba existe?”. Uma ferramenta retórica para acusar quem na imprensa não embarca na “Cuba Oficial”. Neste ano, a ilha é tema nas campanhas presidenciais pela América Latina. Foi no Chile, está sendo na Costa Rica, será na Colômbia e, claro, no Brasil. Ninguém quer ser como Cuba.
Mas de qual Cuba estamos falando, cônsul Monzón? Ao invés de deixar um porta-voz do regime fazer a pergunta, ele mesmo dar a resposta e ainda por cima ar um sabão na imprensa, não seria o caso de ouvir os próprios cubanos? Aqueles cubanos que vivem no mundo real sem os benefícios de estarem abrigados pelo regime? Falo de cubanos que sonham com gosto de carne. Daquela gente que, diante da falta de papel higiênico, dá um fim mais nobre às páginas do jornal oficial Granma.
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