É tão claro quanto ao tema que o país discutiu dias atrás sobre a possibilidade de reeleição nas casas do Congresso. A Constituição criou um sistema misto de provisão da educação pública. O objetivo era precisamente dar aos gestores estaduais e municipais a autonomia para avaliar modelos e fazer o melhor pelos estudantes.
A pressão corporativa e a inércia do mundo político sempre impediram que esse debate fosse feito. O monopólio estatal foi simplesmente dado como norma e única alternativa disponível. O resultado foi um crescente abismo social: a classe média foi rapidamente migrando para o ensino privado e os mais pobres, presos à escola estatal.
Criou-se no país algo muito mais grave do que desigualdade nos resultados que surgem no Ideb ou a cada três anos no Pisa. Criamos dois mundos sociais que vivem à parte e reproduzem nossa desigualdade estrutural: o mundo dos que podem escolher, nas redes privadas, majoritariamente branco e de maior renda, e o mundo dos sem escolha, majoritariamente negro e de menor renda, presos ao Estado. Este é o país que o monopólio estatal da educação pública ajudou a “cristalizar”.
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Agora estamos diante de uma nova decisão. E sob o risco de consagrar em lei, à revelia do que diz a Constituição, a obrigatoriedade de que todos os recursos do Fundeb – logo, os alunos que dependem desses recursos para estudar – fiquem presos às redes estatais de ensino. Como tem observado o deputado Tiago Mitraud, não se trata de uma discussão sobre este ou aquele modelo de gestão da educação. O ponto é perguntar se será possível a discussão de qualquer modelo que não seja o monopólio estatal.
A questão central é se vamos basear escolhas educacionais em “evidências” ou isto termina por ser pura retórica. No mundo real da política, impõe-se desde Brasília que os 27 estados e 5.570 municípios brasileiros só poderão adotar, muito longe de qualquer dado ou evidência, um único modelo. O mesmo praticado desde sempre e com os resultados que sabemos. Essa decisão será um erro. Mais um dos tantos que já se cometeram em nossa educação pública.
Reverter isso supõe alguma vontade política de pensar de maneira diferente. Coisa rara neste país do “assim é porque sempre foi”, a máxima de nosso tradicionalismo político tão bem definida pelo mestre Raymundo Faoro.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos