A ausência de notas de repúdio ou denúncias à Justiça causa estranheza, uma vez que o próprio Nikolas Ferreira foi alvo de uma série de medidas desse tipo no último dia 8 de março após ter protagonizado um episódio, em uma sessão na Câmara, em que colocou uma peruca loira e intitulou-se “deputada Nikole” para fazer críticas à ideologia de gênero.
Na ocasião, associações representativas da comunidade LGBT, como a Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas, acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma notícia-crime contra o deputado. A bancada do PSOL na Câmara também ingressou com uma notícia-crime no STF por suposta transfobia e chegou a pedir a cassação do mandato do parlamentar. Outras entidades, como o Ministério Público Federal (MPF), divulgaram notas de repúdio à fala do deputado do PL. As declarações de Ferreira motivaram, ainda, uma “reprimenda pública” do presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), por “exibicionismo” e “discurso preconceituoso”.
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP), uma das que am pedido de cassação do mandato de Nikolas Ferreira por suposta transfobia, foi outra que ignorou o episódio. No dia seguinte à ofensa, pelo Twitter, ela compartilhou uma publicação que questionava seu silêncio quanto ao caso acrescentando uma frase irônica: “Estou trabalhando”, disse a deputada.
Já o deputado alvo das ofensas de Janones questionou o duplo padrão de tratamento em relação a supostos discursos homofóbicos: “A tara da esquerda é acusar hétero de ser gay. Usam a homossexualidade como ofensa”, questionou o deputado pelas redes sociais.
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A ofensa de cunho sexual ocorreu durante a audiência na Câmara dos Deputados com a presença do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Durante o tempo que Nikolas Ferreira dispunha para fazer sua pergunta ao ministro, Janones chamou o colega de “chupeta” e “chupetinha” seguidas vezes (veja o vídeo).
“Ó o chupetinha tumultuando”, disse Janones em uma das interrupções. Após Ferreira pedir que a contagem do tempo fosse parada devido à interrupção, o aliado de Lula prossegue: “Nikole! Deixa a Nikole falar”. “Posso continuar?”, pergunta o parlamentar do PL ao deputado Rui Falcão (PT-SP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que conduzia a audiência. “Vai, chupetinha”, grita novamente Janones.
Ao ser interceptado mais uma vez, Ferreira interrompeu sua fala e ou a questionar o teor das ofensas. “Presidente, só uma questão antes do meu tempo. Se eu faço isso aqui com qualquer deputado, me colocam no Conselho de Ética. Todo mundo aqui é adulto para poder ver que isso aqui aconteceu. Então, presidente, que o senhor tome alguma decisão quanto a isso, porque se fosse o contrário estava todo mundo ovulando já. Vamos ser no mínimo justos”.
Novamente, no meio desta fala, Janones o interrompe. “Cala a boca e fala logo, rapaz” e “parabéns, chupeta”, diz, com o microfone aberto enquanto todos os demais haviam sido silenciados pelo presidente da CCJ, que não advertiu o parlamentar ofensor.
O emprego das palavras “chupeta” ou “chupetinha” em relação a Nikolas Ferreira teve início durante a campanha eleitoral do ano ado, semanas antes da votação em segundo turno para a presidência. Enquanto Janones atuava nas redes sociais como um dos principais cabos eleitorais de Lula, Ferreira fazia campanha para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em uma das várias postagens polêmicas, o parlamentar pró-Lula compartilhou um vídeo pornográfico em que apareciam dois homens fazendo sexo oral. Como um dos atores tinha semelhança física com Nikolas Ferreira, Janones ou a afirmar nas postagens que era o parlamentar rival quem participava da cena, o que resultou em uma série de compartilhamentos. O caso ganhou espaço em alguns veículos de imprensa, que não apontaram diretamente que se tratava de uma correlação falsa.
Mesmo assim, nos dias seguintes Janones dirigiu seguidamente ironias relacionadas a sexo oral ao colega parlamentar. “Mete a boca Nikolas”, disse em uma publicação. “Isso aí, abre a boca. Você já aguentou muita porra calado. Força!”, escreveu em outra postagem. Dias depois, o deputado começou a usar a palavra “chupetinha” em referência a Ferreira.
Agora, entretanto, o apoiador de Lula nega que o emprego da ofensa tenha a ver com conotação sexual. Em nota divulgada pelo Twitter nesta tarde, o parlamentar disse que “o apelido chupeta, até onde sei, não tem qualquer relação com a orientação sexual do deputado bolsonarista”.
Segundo Janones, quem teria criado o rótulo seria o influenciador Felipe Neto, que também fez campanha eleitoral para Lula. No mês ado, Neto ou a fazer parte de um grupo de trabalho criado pelo Ministério dos Direitos Humanos, do governo federal, que teria como objetivo combater “discursos de ódio”. O próprio influenciador, entretanto, ignorou a conotação homofóbica da fala de Janones e foi às redes sociais comemorar a declaração: “Ver o Brasil inteiro chamando esse mlq de chupetinha é um dos maiores orgulhos q tenho na vida”, tuitou. Felipe Neto é um dos entusiastas da regulamentação das redes sociais, defendida pelo governo Lula. Para ele, a medida reduziria ofensas e discurso de ódio na internet.
No dia seguinte à agressão, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) anunciou, pelas redes sociais, que o Partido Liberal (PL) faria uma denúncia no Conselho de Ética da Câmara contra André Janones, o que ainda não ocorreu. "Telefonei de manhã para o presidente Valdemar do PL, legitimado a representar no conselho de ética, e ficou acertado que o PL ingressará contra o dep. Janones no conselho de ética. Outras medidas estão sendo estudadas também", afirmou Eduardo Bolsonaro.
Já o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) informou que protocolaria uma denúncia ao STF e à Procuradoria-Geral da República (PGR) pela prática do crime de homofobia. “Ontem vocês presenciaram na CCJ o absurdo de o André Janones chamando o deputado Nikolas de chupetinha. Nós não vamos tolerar esse tipo de comportamento. A denúncia foi feita. André Janones vai responder pelo crime de homofobia”, disse.
Nas eleições do ano ado, André Janones assumiu a linha de frente de uma campanha eleitoral pró-Lula pela internet em que defendeu enfaticamente o uso de fake news contra a campanha do rival, Jair Bolsonaro (PL). Segundo ele, uso de fake news, a linguagem sensacionalista e a radicalização do debate serviriam para “combater o fascismo e a extrema-direita”.
Em uma das notícias falsas divulgadas pelo deputado, a Justiça Eleitoral determinou a exclusão da postagem quando a mensagem já havia sido compartilhada mais de 5 mil vezes somente no Twitter.
Uma radicalização ainda maior veio após o resultado do primeiro turno. Em publicações diversas, o deputado fez acusações ou suposições, sem provas, de que Bolsonaro seria agressor de mulheres e praticante de canibalismo, que reduziria o salário mínimo em eventual novo mandato e que teria feito um “pacto” na maçonaria – esta última fake news tinha com foco aumentar a rejeição do ex-presidente pelo eleitorado cristão.
Janones também tentou cunhar em Bolsonaro o rótulo de pedófilo, assim como fez com o próprio Nikolas Ferreira. Em ambos os casos, a narrativa ficou apenas na especulação e as provas nunca apareceram.
Durante a campanha, o deputado sustentou diversas vezes que eventual vitória de Lula contra Bolsonaro significaria o “amor vencendo o ódio”. No entanto, dias após o resultado das urnas, no qual Lula saiu vencedor, o parlamentar fez uma série de postagens nas redes socais em que se refere a eleitores que votaram em Bolsonaro como “raça maldita” a ser eliminada.