Entre advogados que defenderam réus no caso – políticos, empresários, doleiros e operadores do esquema que lesou a Petrobras e outras estatais –, a decisão é celebrada, porque invalidou, “no atacado”, a validade de centenas de registros de pagamentos de propina e doações eleitorais da empreiteira, conforme confessado por seus próprios ex-diretores.

“Decisão importante, conveniente, oportuna e muito corajosa. O ministro merece nosso reconhecimento e o nosso aplauso. Decisão histórica. Desnudou a ‘farsa jato’. A decisão só confirma o que vínhamos denunciando desde sempre, que a Lava Jato foi utilizada com objetivos políticos e eleitorais. Alguns agentes do Estado corromperam nosso sistema de Justiça com objetivos meramente pessoais”, disse à Gazeta do Povo Marco Aurélio Carvalho, advogado petista próximo de Lula e coordenador do Grupo Prerrogativas, que reúne dezenas de criminalistas, muitos advogados de réus, que se tornaram opositores ferrenhos da Lava Jato.

Sergio Moro, por sua vez, exaltou a operação nas redes, lembrando o que ela revelou. “A corrupção nos governos do PT foi real, criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras. Esse foi o trabalho da Lava Jato, dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores. Os brasileiros viram, apoiaram e conhecem a verdade. Respeitamos as instituições e toda a nossa ação foi legal. Lutaremos, no Senado, pelo direito à verdade, pela integridade e pela democracia. Sempre!”, postou.

Deltan Dallagnol também rebateu Toffoli. “O maior erro da história do país não foi a condenação do Lula, mas a leniência do STF com a corrupção de Lula e de mais de 400 políticos delatados pela Odebrecht. A anulação da condenação e do acordo fazem a corrupção compensar no Brasil. E se tudo foi inventado, de onde veio o dinheiro devolvido aos cofres públicos? E com a anulação do acordo, os 3 bilhões devolvidos ao povo serão agora entregues novamente aos corruptos? Os ladrões comemoram enquanto quem fez a lei valer é perseguido.”

Com decisão, Toffoli tenta se reaproximar de Lula

Carregada no tom duro, a decisão de Toffoli também representa uma tentativa do ministro de se reaproximar de Lula e do PT. Ex-advogado-geral da União no segundo mandato do petista, ele se afastou da órbita de Lula nos últimos anos de governo do PT e da ascensão ao poder do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem se aproximou politicamente.

Durante o tempo na prisão, Lula expressou a interlocutores ressentimento com o ministro, indicado por ele para o STF em 2009. Em 2019, quando Lula estava na cadeia, Toffoli impediu que ele fosse ao velório do irmão Genival Inácio da Silva. Com a eleição do petista no ano ado, o ministro buscou reconstruir pontes e foi um dos apoiadores da indicação de Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula, para ministro do STF.

Decisão de Toffoli respondeu à ação capitaneada por Zanin

Em abril, após a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, sempre elogiado por Lula por votar repetidamente contra a Lava Jato no STF, Toffoli migrou para a Segunda Turma da Corte, que julga os recursos da operação. Além disso, assumiu a relatoria da ação, até então com Lewandowski, na qual Lula questionava a validade das provas da Odebrecht.

Nesta ação, a defesa do petista, capitaneada por Zanin, contestava a integridade dos sistemas da empreiteira – Drousys e MyWebDay – que registravam pagamentos para dezenas de políticos, empresários e doleiros. O ex-advogado de Lula acusava os procuradores de obter e transportar de forma irregular os arquivos digitais armazenados na Suíça. Além disso, apontou supostas irregularidades na cooperação firmada com o país europeu para obtenção das provas, especialmente para rastreamento e bloqueio de contas que recebiam dinheiro sujo.

Na decisão desta quarta, Toffoli afirmou que o acordo de cooperação com a Suíça — pelo qual vieram os sistemas da Odebrecht que registravam os pagamentos de propina e também dados de contas bancárias rastreadas e bloqueadas — não foi firmado pela "autoridade central" que representa o Estado brasileiro nesse tipo de acordo, no caso, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI), vinculado ao Ministério da Justiça.

Em entrevista à GloboNews, Dallagnol disse que o acordo ou pelo órgão e que isso foi ignorado por Toffoli. Além disso, afirmou que uma sindicância do MPF não apontou irregularidades na cooperação com a Suíça. No auge das investigações internacionais da Lava Jato, procuradores brasileiros temiam que informações sensíveis que chegavam de outros países vazassem para políticos investigados, caso assem pelo Ministério da Justiça, que é um órgão do governo.

No STF, o objetivo de Zanin era obter a íntegra do acordo de leniência da Odebrecht, e também documentos que registravam como foram as tratativas diretas da Lava Jato com a Suíça e os Estados Unidos. Tudo isso para questionar a integridade das provas que existiam contra Lula, e com base na hipótese de que não havia garantia de integridade das informações obtidas lá fora. Relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin liberou parte do o do acordo de leniência, mas o advogado de Lula recorreu e obteve vitória na Segunda Turma do STF. Lewandowski assumiu a ação por ter vencido Fachin junto com Gilmar Mendes.

Nesta ação, Lewandowski anulou ações penais abertas contra Lula envolvendo supostos pagamentos de propina da Odebrecht para seu instituto. Com base nisso, diversos outros políticos e empresários aram a pedir o mesmo ao ministro, alegando que também não havia garantia de que os registros da empreiteira não tinham sido adulterados pelo MPF. Lewandowski ou a anular pontualmente vários processos, a partir de pedidos de extensão individuais que chegavam ao STF. Toffoli, agora, anulou todo o material, o que beneficiará todos que foram acusados com dados contidos nas planilhas de pagamento da empresa.

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Decisão pode resultar em novas anulações de processos contra investigados da Lava Jato

Além disso, Toffoli liberou a todos esses investigados as mensagens trocadas entre Moro e procuradores e que foram ilegalmente capturadas por hackers, em 2019, e usadas inicialmente para alimentar uma série de reportagens que buscavam desmoralizar a Lava Jato, e que ficaram conhecidas como “Vaza Jato”. Os arquivos que eles mantinham em computadores foram apreendidos pela Polícia Federal na Operação Spoofing, deflagrada naquele ano para prendê-los. Em 2020, Lewandowski liberou esse material para a defesa de Lula, que ou a usá-lo para questionar a regularidade dos processos contra o petista.

Em 2021, as mensagens tiveram forte influência no julgamento do STF que declarou a suspeição de Moro nos processos contra Lula, com base na ideia de que havia um "conluio" dele com os procuradores do MPF.

Com a liberação do material dos hackers para todos os investigados, eles também poderão usar as mensagens para apontar parcialidade do juiz e dos procuradores para anular seus processos. Toffoli garantiu a eles apoio de peritos da PF para ar as conversas.

Toffoli adere à narrativa petista e critica delações

Em sua decisão, Toffoli ainda aderiu ao discurso encampado pelo PT de que a Lava Jato prejudicou a economia do país e causou danos pessoais aos investigados. “Destruíram tecnologias nacionais, empresas, empregos e patrimônios públicos e privados. Atingiram vidas, ceifadas por tumores adquiridos, acidentes vascular cerebral e ataques cardíacos, um deles em plena audiência, entre outras consequências físicas e mentais”, escreveu.

Num curto trecho da decisão, o ministro frisou que, nela, não estaria dizendo que “ilícitos verdadeiramente cometidos” não tenham sido investigados na Lava Jato, “mas, ao fim e ao cabo, o que esta reclamação deixa evidente é que SE UTILIZOU UM COVER-UP DE COMBATE À CORRUPÇÃO, COM O INTUITO DE LEVAR UM LÍDER POLÍTICO ÀS GRADES, COM PARCIALIDADE E, EM CONLUIO, FORJANDO-SE ‘PROVAS’”, escreveu, em letras maiúsculas.

Depois, acrescentou: “centenas de acordos de leniências e de delações premiadas foram celebrados como meios ilegítimos de levar INOCENTES à prisão. DELAÇÕES ESSAS QUE CAEM POR TERRA, DIA APÓS DIA, ALIÁS. Tal conluio e parcialidade demonstram, a não mais poder, que houve uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados. Esse vasto apanhado indica que a parcialidade do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba extrapolou todos os limites, e com certeza contamina diversos outros procedimentos; porquanto os constantes ajustes e combinações realizados entre o magistrado e o Parquet e apontados acima representam verdadeiro conluio a inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa.”