Para organizar e verificar as informações, a Federação Nacional de Seguradoras (Fenaseg) ou a fazer convênios com o Detran de cada estado, selecionando empresas para prestar o serviço. Muitas lucraram fortunas com o negócio. Surgiram nomes como Megadata, GRV Solutions, Cetip, Fidúcia, B3... O Tribunal de Contas da União (TCU) questionou o controle das informações sobre financiamento de veículos em um oligopólio, tendo em vista que, sem nenhum tipo de licitação, algumas poucas empresas ficaram responsáveis pelos registros de contratos e também pelo gravame.
A partir da pressão do TCU, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) baixou uma resolução, em 2017, determinando que a seleção das empresas deveria ter ampla publicidade e concorrência. Foi aí que um serviço que deveria ficar mais barato, a partir da ampliação do número de concorrentes, acabou se tornando mais caro.
Um edital foi aberto pelo Detran do Paraná em 2018, para o credenciamento das interessadas, fixando a remuneração em R$ 350 por financiamento. Do total, 75% ficam com a empresa e os 25% restantes, R$ 87,50, são destinados ao Detran. Antes disso, quem financiava a compra de um veículo pagava R$ 152, sendo que R$ 31,47 ficava para o governo. Ou seja, o gasto para o consumidor subiu quase R$ 200.
O aumento chamou a atenção do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e também da Promotoria de Proteção ao Patrimônio Público, que abriu um inquérito para apurar o caso. Um dos focos é tentar entender como se chegou ao valor de R$ 350, uma vez que precisam ser apresentados os custos reais do sistema (trata-se de preço público, sujeito a regras semelhantes às de taxas, mas que tem esse nome por ser praticado por empresas e não por órgão estatal).
Em paralelo, começou uma disputa para ficar com esse negócio lucrativo, com empresas travando uma batalha em tribunais e também uma guerra de versões. A primeira a conseguir se credenciar foi a Infosolo, que também atua em outros estados. Segundo o Detran-PR, a empresa foi responsável pelo intermédio de 328 mil dos 350 mil financiamentos realizados no Paraná nos últimos nove meses. Descontados os valores reados ao governo estadual, é possível estimar o faturamento no período em R$ 86 milhões (R$ 262 X 328 mil financiamentos).
A Tecnobank, empresa que domina o mercado paulista, tentou se credenciar para atuar no Paraná. Num primeiro momento, conseguiu que o TCE-PR determinasse a sua inclusão. Depois, o mesmo órgão considerou que a Tecnobank não deve ser autorizada a participar, entre outros motivos, pelo vínculo com a B3, ligada à Bovespa, que faz a consulta ao sistema de gravame e, portanto, tem o a informações privilegiadas – o que caracterizaria uma espécie de cartel.
O caso foi analisado em plenário do Tribunal de Contas, na tarde da última quinta-feira (17). Depois de quase três horas de discussão e trocas de acusações pelas assessorias jurídicas, os conselheiros do Tribunal de Contas, por 4 votos a 2, decidiram permitir que a Tecnobank seja credenciada para atuar no Paraná. Prevaleceu a tese de que, embora haja suspeitas sobre a empresa, seria preferível incluir mais uma concorrente entre as registradoras.
A situação da Infosolo também é alvo de atenção no TCE-PR. Técnicos da 5ª Inspetoria elaboraram uma comunicação de irregularidades. O documento, concluído no dia 12 de julho, aponta para indícios de favorecimento. O relatório deve ser apensado à investigação que está em curso no Tribunal de Contas.
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Como o pagamento do gravame é obrigatório e cerca de 70% das compras de carro no país envolvem financiamento, esse é um mercado que movimenta muito dinheiro. Uma empresa quer expulsar a outra, alegando que irregularidades, em alguma medida, foram praticadas. As duas negam qualquer ação irregular. A Tecnobank afirma que consegue adotar valores bem mais baixos e a Infosolo declara que tem a maior parte do mercado no Paraná porque conta com a confiança das instituições financeiras.
Parte da guerra de versões a pela discussão dos valores que são praticados em outros estados, com o argumento de que no Paraná seria mais caro. Contudo, do ponto de vista jurídico, interessa mais saber como se chegou ao preço público, considerando os custos locais, pois essa deve ser a base legal para a avaliação.
A atual gestão estadual tentou mudar os valores, lançando um novo edital, mas a Infosolo conseguiu liminares, em primeira e segunda instâncias judiciais, assegurando a continuidade do contrato com duração prevista de 30 meses e a suspensão do edital de 2019, que pretendia estabelecer o preço público em R$ 143,63, sendo R$ 34,50 para o Detran-PR.
Agora o governo do Paraná partiu para uma nova estratégia para tentar reduzir a despesa para o consumidor. Uma reunião foi realizada no dia 15 de julho com as oito empresas credenciadas para fazer o gravame. A proposta é que elas aceitem operar com valores bem menores. A resposta oficial deve ser dada até o dia 23 de julho. Segundo João de Paula Carneiro Filho, diretor istrativo financeiro do Detran-PR, pelo menos três empresas já aceitaram, de pronto, diminuir o preço público a menos da metade.
Como não consegue cancelar o contrato vigente com a Infosolo, a ação do Detran-PR vai se concentrar em informar o consumidor sobre seus direitos, para que questionem a concessionária ou financeira, de forma a pressionar a escolher a empresa que cobre menos. “Quando a pessoa chega para financiar o carro, mostram a conta e dizem que R$ 350 é taxa do Detran, mas não é”, comenta Carneiro Filho, acrescentando que o órgão fica com uma parcela bem menor e que quer reduzir ainda mais. Com a campanha de informação para os compradores, ele espera estimular a livre concorrência entre as registradoras de gravame.
O Tribunal de Contas questionou e o Detran-PR precisa resolver uma outra situação envolvendo o pagamento do registro do gravame. No ano ado, quando começou a funcionar o intermédio do serviço pelas empresas credenciadas, instituições financeiras que estavam financiando os veículos não concordaram em depositar os R$ 350 diretamente para as registradoras, temendo, por exemplo, que o valor devido ao poder público não fosse reado.
Um ime foi criado, com direito a protestos na frente do Detran-PR. O Paraná chegou a ficar 12 dias sem registrar compras e vendas de veículos que envolvessem qualquer tipo de débito que precisasse de gravame. A Federação Nacional dos Bancos (Febraban) entrou com um pedido istrativo para que o dinheiro fosse direcionado ao Detran-PR, que rearia, por sua vez, a parte devida às empresas. Uma portaria foi emitida e assim ou a ser feito. Contudo, não existe embasamento legal para esse tipo de movimentação – em que um órgão público recebe o valor referente ao serviço de empresas e depois deposita para cada uma o seu quinhão.
Carneiro Filho disse que pretende acabar com esse fluxo de pagamento e convocou uma reunião, para os próximos dias, com a Febraban e instituições financeiras. “O Detran-PR está querendo resolver o problema, reduzir o valor, atendendo o maior número de empresas, solucionando a questão da forma de pagamento, sem deixar margem para questionamento pelos órgãos de controle”, afirma.
O diretor financeiro também declarou que o dinheiro que está sendo arrecadado pelo governo, em valores acima do considerado adequado, está sendo reservado. Para entender: a diferença entre R$ 87,50 e R$ 34,50, o que equivale a R$ 53 por gravame, e representaria R$ 18 milhões nos últimos nove meses, deve ser aplicado em alguma finalidade de interesse público.
Segue no TCE-PR a discussão sobre a economicidade e modicidade do valor a ser recolhido nos registros de alienação. Alguns conselheiros já se manifestaram pela ilegalidade do edital feito pelo Detran-PR no ano ado. Por enquanto, prevalece a decisão judicial pela manutenção dos contratos. Caso nenhuma negociação amigável frutifique, o valor a ser pago em caso de financiamento, leasing ou penhor continuará sendo de R$ 350, diluído em meio às prestações, muitas vezes de forma imperceptível. “O interesse público está sendo sobreposto pelo interesse privado”, lamenta Carneiro Filho.