Tudo, portanto, se dá sem o menor respeito ao devido processo legal e às garantias democráticas. Apesar do evidente abuso, para esses brasileiros não existe o “garantismo” que coloca na rua até corruptos condenados em mais de uma instância, com evidências irrefutáveis de seus crimes – em uma inversão de valores surreal, detentas condenadas por crimes comuns na Colmeia ganharam direito à prisão domiciliar para abrir espaço às mulheres presas diante do quartel-general do Exército. ONGs de direitos humanos, entidades da sociedade civil organizada, Ministério dos Direitos Humanos, grupos de advogados que se notabilizaram na defesa de criminosos, a maioria esmagadora da imprensa e da opinião pública – para todos esses, não há nada de errado acontecendo na Papuda ou na Colmeia, pelo contrário: o arbítrio está sendo aceito e até aplaudido. 4b705j
Podemos dividir as centenas de detentos em vários grupos: os que, mesmo permanecendo no acampamento, estavam conscientes da ilegalidade do golpe de Estado que pediam às Forças Armadas; os que se equivocavam de boa fé a respeito da suposta legalidade de uma “intervenção militar”; os que foram à Praça dos Três Poderes e participaram do ataque – seja por mera indignação, por espírito de manada ou por desejo premeditado de provocar um caos que levasse, quem sabe, à ação militar que terminasse com a ruptura; os que, na Esplanada, incitaram o quebra-quebra, mas, espertamente, não participaram dele para evitar um flagrante; e os que, tendo ido à Praça dos Três Poderes, não tiveram participação alguma na destruição, discordando dela. Qualquer brasileiro de bom senso e amante da justiça sabe que não é possível tratar da mesma forma todas essas pessoas, mas é exatamente isso que está ocorrendo, inclusive com violação dos artigos 9.º, 27, 30 e 32 da Lei de Abuso de Autoridade.
É preciso separar o joio do trigo para que os verdadeiros criminosos sejam punidos, mas o caminho para isso não é a prisão no atacado de inocentes para levar junto alguns culpados, nem o abuso da prisão preventiva, e sim a investigação criteriosa tanto sobre as reivindicações golpistas quanto sobre a destruição do 8 de janeiro. Neste último caso, é especialmente importante o uso de todas as imagens produzidas naquela tarde – e preocupa, como lembrou Van Hattem, que o governo Lula tenha colocado sob sigilo imagens do ataque ao Palácio do Planalto. É assim que se faz em uma democracia: investiga-se, acusa-se e pune-se, nesta ordem, sem arbítrio, sem sigilos, sem presos políticos.