A terceira questão trata do crescente poder econômico e político dessas plataformas, que submetem seus trabalhadores, apesar de não os reconhecer como tais, a condições análogas à escravidão. Sujeitos ao frio, fome, sede, violência e morte cotidianamente. Enquanto essas empresas de entregas crescem vertiginosamente, mantêm os seus trabalhadores da ponta em situações humilhantes. Enquanto nega alimentação a eles, fazem lobby para impedir qualquer avanço em termos trabalhistas. Então quando o CEO diz que “ninguém mais vai cozinhar”, de quem exatamente ele está falando? Dos trabalhadores? Das classes B ou C? Obviamente que não. Ela faz vistas grossas a esse grande contingente de pessoas famélicas, pois se é capaz de ignorar a fome de seus próprios trabalhadores, que dirá de outros grupos. 5y6t1k
Essas três questões, portanto, levantam um debate central: para além do tom alarmista ou exagerado, a fala é uma demonstração do poder político e econômico não somente dessa empresa, mas de todas as empresas de plataforma ao redor do mundo que realizam diariamente uma acumulação primitiva e violenta de capital, travestida de modernidade e praticidade, disposta a ousar ditar os rumos das práticas alimentares das pessoas e, consequentemente, de sua situações alimentares, visto que pesquisas já dizem que as plataformas forçam o consumo de refeições inadequadas à saúde e à cultura alimentar de seus clientes. Ela é um termômetro de demonstração de poder e do grau de ameaça ao direito humano à alimentação adequada. Por isso, precisamos questionar: o fim da cozinha para quem? E para quê?
Vanessa Daufenback é socióloga, nutricionista, doutora em Saúde Pública e professora do curso de Nutrição da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUR).