Ao longo dos séculos, a humanidade vem organizando a atividade física, necessária para a manutenção do bem-estar, sob diferentes regras, padrões e metodologias. A esse conjunto de normas dá-se o nome de esporte. Enquanto cabeça, tronco e membros se movimentam, o gasto calórico causa transformações no organismo humano. Mexer-se é desenvolver uma melhor condição cardiorrespiratória, potencializar o metabolismo, fortalecer a musculatura e a estrutura óssea, estimular o sistema hormonal. Tudo isso é muito bem-vindo e promove a saúde física e mental. No entanto, no caso de esportistas profissionais, o objetivo é outro.

Ser o primeiro é a finalidade primordial para quem tem o esporte como profissão. Afinal, como em qualquer profissão, entregar bons resultados é o que traz reconhecimento. A rotina de atletas de alto rendimento tem mais a ver com performance que com saúde. E, para atingir as ambiciosas metas estabelecidas, muitas vezes os quesitos da saúde são extrapolados. Ganhar medalhas, vencer torneios e campeonatos e manter-se no topo de rankings são resultados almejados por qualquer atleta profissional. Embora gerem melhorias para o organismo, esses propósitos aumentam o risco de sofrer lesões.

A dor é uma constante na vida de quem deseja ir além do que outros já foram. Atletas de alto rendimento treinam muitas vezes na semana, durante horas seguidas, impondo a seus corpos cargas muito intensas. O overtraining pode causar lesões que comprometem carreiras para sempre e, para evitar um impacto demasiado grande em músculos, articulações, ossos e tendões, uma equipe complexa de profissionais orienta e monitora os movimentos. Fisioterapeutas se somam a educadores físicos, que, por sua vez, trabalham em sintonia com nutricionistas, que acompanham toda uma horda de psicólogos e médicos de várias especialidades. A ciência contemporânea é capaz de prevenir grande parte dos problemas que, até há poucos anos, atormentavam os atletas. Mesmo assim, há um limite que não pode ser ultraado. E, às vezes, é exatamente ali que está a pequena lacuna que impede alguém de se tornar um campeão.

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Fernando Pessoa dizia o que muitos esportistas aplicam sem notar: “Quem quer ar além do Bojador / tem que ar além da dor”. É aí que mora o risco. Não importa quanto acompanhamento se tem, o excesso é sempre muito perigoso – e pode até mesmo levar à morte ou a sequelas irreversíveis. Na última edição da Eurocopa, o jogador da Dinamarca Christian Eriksen teve uma parada cardíaca em campo. Mesmo sendo a grande estrela da seleção de seu país e da Inter de Milão, constantemente avaliado por toda uma estrutura médica e profissional, ninguém conseguiu prever o que estava para acontecer naquele dia. O nível que se exige hoje nos esportes de alto rendimento é muito alto e, muitas vezes, a intensidade dos treinamentos é superior à capacidade do atleta.

E não importa se o drama é físico, como o do dinamarquês, ou psicológico, como o de Biles. Os problemas causados quando se vai além dos próprios limites são igualmente graves. É um sprint, um arranque, um levantamento, ou uma puxada em um momento decisivo, que pode trazer consequências com as quais será necessário conviver por muito tempo. Para que o esporte seja igual a saúde, é preciso respeitar o corpo como se respeitam as regras de cada competição.

Zair Candido de Oliveira Netto é doutor em Ciências da Saúde e coordenador do curso de Educação Física da Universidade Positivo.

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