Além da insegurança, o Brasil também tem outros entraves para o desenvolvimento de compras online, como as dificuldades no o à internet e o alto índice de cidadãos que não têm conta em banco – um em cada três brasileiros não têm vínculo com nenhuma instituição financeira, conforme pesquisa divulgada pelo Instituto Locomotiva em agosto de 2019. “A estratégia [de vendas online] ajudou, mas não foi o suficiente”, avalia Fabio Bentes, economista da CNC. 4x6r14
A tendência ruim se refletiu em datas comemorativas tradicionalmente importantes para o comércio. Só no Dia das Mães, por exemplo, a queda nas vendas foi de 60%, na comparação com o ano ado. De acordo com o cálculo mais recente divulgado pela CNC, na metade de junho o novo coronavírus já havia feito os comerciantes perderem um mês inteiro de vendas. Em julho, os prejuízos já somavam R$ 210 bilhões em 90 dias.
Em meio à avalanche de indicadores negativos, no entanto, há, também no varejo, um segmento em que os resultados positivos não foram pontuais. As boas notícias vêm da venda de bens não duráveis, especialmente de supermercados e hipermercados. Entre esses estabelecimentos, houve aumento na procura, com média de 16% de crescimento no faturamento desde março, ainda de acordo com a pesquisa da Cielo.
João Sanzovo, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), explica que o aumento das vendas foi promovido pelo isolamento social, que mudou os hábitos de consumo das pessoas e impulsionou a alimentação no lar.
“De acordo com o estudo Consumer Insights da Kantar, entre as mudanças mais significativas geradas pela pandemia está a inclusão de novos canais na rotina de compra da população, que agora busca fazer o abastecimento em mercadinhos de bairro, pequenos varejos e varejos tradicionais para evitar aglomeração. Também houve crescimento expressivo do mercado digital englobando todos os formatos (aplicativo, WhatsApp ou site de supermercados). Esse movimento tem revolucionado a relação dos consumidores com as marcas e produtos, e veio para ficar”, diz Sanzovo.
As mudanças no padrão de consumo se revelam em alguns dos produtos mais procurados na pandemia. A prioridade são produtos básicos, de higiene e limpeza doméstica, mas houve aumento nas compras de itens que tradicionalmente eram mais consumidos nos fins de semana, como pipoca, massa para bolos, doces e salgadinhos, além de bebidas alcoólicas.
O impulso das vendas em supermercados fez com que uma das datas comemorativas mais importantes do ano para o varejo – a Páscoa – apresentasse indicadores ruins, mas não tão impressionantes quanto os do Dia das Mães. Na ocasião, houve redução de 35% nas vendas em relação a 2019, segundo a CNC. “A queda foi muito menor na Páscoa porque o produto típico dessa data, o chocolate, é comercializado em lojas que estavam abertas”, destaca o economista Fabio Bentes.
No setor de serviços, por outro lado, é difícil encontrar motivos para comemoração. Segundo o IBGE, em abril o setor apresentou o pior desempenho desde 2011, com queda de 11,7% na comparação com o mês anterior. Em maio, a retração foi menor, de 0,9%. A última edição da Pesquisa Mensal de Serviços aponta, ainda, para 19,7% de perdas acumuladas em quatro meses de crise – considerando o intervalo até maio.
Na pesquisa da Cielo, que considera todas as semanas desde março e as compara com seus equivalentes em 2019, a média de queda no faturamento das empresas do setor foi de 62,3%. Os segmentos mais afetados são os de transporte e turismo (-79%) e bares e restaurantes (-62%).
Com restrições de funcionamento em muitos municípios, bares e restaurantes reclamam da falta de o a crédito – e apontam que o governo federal tem demorado a agir de modo a garantir caixa para estabelecimentos que estão cheios de contas a pagar, mas sem faturamento.
“A retomada é mais lenta no nosso setor do que em todos os outros. Isso tem causado uma situação de desespero. Uma em cada quatro empresas que existiam até o fim de março não existirão até o fim de dezembro. Um terço da força de trabalho já foi embora, e quatro em cada dez pessoas que trabalhavam no setor não estarão mais trabalhando em julho”, diz Paulo Solmucci, presidente executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
Segundo ele, o governo vem cometendo “erros sucessivos” ao modelar programas para oferecer crédito aos empresários durante a pandemia. O programa mais recente, que oferece garantias do Tesouro para os financiamentos, é criticado por privilegiar as micro e pequenas empresas. De acordo com Solmucci, a maior parte das empresas do setor de serviços continua desassistida.
“Foi uma promessa não cumprida. A conta que o setor está pagando em benefício da sociedade é desproporcional. Deveria haver um plano de socorro específico, mas não vemos essa movimentação. Com certeza, três em cada dez empresas não vão voltar. O que for feito a partir de agora é para que essas outras sete tenham alguma chance de permanecer”, avalia o presidente da Abrasel.